sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Como a paixão embota o senso crítico, ou: Da impossibilidade do racionalismo puro.

O sonho do geólogo americano Kurt Wise era ser professor de biologia em alguma universidade de ponta nos Estados Unidos. Sua carreira acadêmica vinha numa rota brilhante. Ele foi aluno do célebre paleontólogo Stephen Jay Gould, um dos gigantes da biologia do século XX, e carregava debaixo do braço diplomas das universidades de Chicago e Harvard. Até que um dia, pressionado pela irresistível tensão entre a ciência e os ensinamentos da Bíblia, Kurt Wise tomou uma atitude radical: pegou uma tesoura e saiu cortando todos os trechos da Bíblia que contrariam as descobertas da ciência. Cortou, cortou e cortou, até que não sobrou quase nada do livro sagrado. "Tive de tomar uma decisão entre a evolução e as Escrituras", relembra Wise. Era uma coisa ou outra. Ele acabou renunciando ao sonho de ser professor de biologia e aceitando integralmente a palavra de Deus. "

“[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a Palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição”.

As palavras acima proferidas por Kurt Wise retratam a ascendência das emoções na formação do pensamento. Quando as emoções imperam, provas claras, raciocínios lógicos, os fatos e a realidade não raro são desprezados.

Entre os assuntos que mais despertam paixão, podemos citar: Política, esportes, religião, etc. Vejamos alguns exemplos reais da influência das emoções sobre o senso crítico do individuo. Vale ressaltar que os casos relatados a seguir, envolvem pessoas com nível superior de instrução e que para a maioria de outros assuntos (menos apaixonantes) se mostram indivíduos racionais.

  • Comentários de um economista.

Provar a existência ou inexistência de um deus é um trabalho fadado ao fracasso. Porém quando atribuímos ou aceitamos certos atributos para este ser divino, acabamos sujeitando esse ser hipotético à testes de lógica e de mensurações colocando sua existência à prova. Veja o exemplo: Posso postular a existência de um ser que vive no quarto do fundo de minha casa, que é invisível, incorpóreo e atérmico. Posso desenvolver uma teoria de que este ser é o responsável pela existência do ar que envolve nosso planeta. Posso afirmar que deste ser, é exalado numa taxa continua e ininterrupta uma quantidade de ar que seria muito pequena para ser medida no ambiente que vivemos.

Veja que ao definir estes muitos atributos a este ser, está se propiciando a possibilidade de testar estes mesmos atributos. Construir envolta do quarto uma câmara hermeticamente fechada com instrumentos em seu interior para medir durante um longo tempo a taxa de ar contida neste ambiente seria uma prova da não existência deste ser.

Um colega de trabalho economista formado e com um grau de inteligência superior á média, estava dia desses explicando sobre a existência do diabo. Segundo ele, deus, o todo poderoso não havia criado o diabo e sim um anjo muito belo e poderoso. Este, por crescer em presunção, se tornou invejoso e obstinado, levantando uma insurreição contra seu criador. Fez-se assim o diabo, inimigo de deus e da humanidade.

A explicação dada acima já constitui uma construção aparentemente bem formulada para a explicação da existência do mau e do diabo. Disse aparentemente, pois nela oculta-se uma falha de abalar seus alicerces.

- Quem no fim vai ganhar? Perguntei ao economista.

- Deus! Afirmou ele, sem nem mesmo pensar sobre o assunto.

- Você tem certeza? Provoquei.

- Claro que tenho! Disse ele de forma firme.

- E como pode ter tanta certeza? Continuei.

- Ora, estamos falando de Deus, o Todo Poderoso.

Todo-poderoso, é o mesmo que ter um poder infinito. Este deus (da tradição judaico-cristã) é todo-poderoso, ou seja, seu poder é infinito. Sendo assim qualquer pessoa ou ser por mais poderoso que seja, terá um poder infinitamente inferior ao do ser todo-poderoso. A questão é: Como acreditar que um ser poderoso que conhecia o criador melhor que qualquer um de nós (inclusive convivendo com ele pessoalmente), que sabia de sua infinita superioridade, pudesse declarar-lhe guerra? A possibilidade de se sair vitorioso diante de um ser infinitamente poderoso é igual a 0.

Um economista deveria entender este simples conceito, porem ao ser confrontado com este argumento, o mesmo invocou a história humana como base: Quantos povos se revoltaram contra um governo muito mais poderoso e tirano em nossa história?

Veja que suas emoções lhe impediam de ver o ponto central do argumento: “infinitamente” poderoso. Quando exércitos humanos enfrentam inimigos em batalha, por maior que seja o desequilibro não se pode (a não ser metaforicamente) falar em poder infinito. Portanto a comparação é descabida. Mas a paixão acaba impedindo as pessoas de verem o obvio.

  • Questão política.

A conversa entre colegas de trabalho era em quem iríamos votar nas eleições de 2010 para Presidente. Um dos colegas que podemos classificar como “lulista” declarou. - Eu não voto na Dilma (candidata do governo). A maioria dos colegas estranhou seu comentário e por isso perguntamos: - Você vai então votar no Serra? Sua resposta foi: - De jeito nenhum! Não voto nem na Dilma e nem no Serra, pois são dois candidatos sem nenhum carisma.

A partir daí começamos a mostrar que embora o “carisma” seja uma qualidade boa, para um administrador público, outras qualidades deveriam ter um peso maior como: Competência, qualificação técnica, visão administrativa de longo prazo, senso forte de ética, respeito à democracia, etc.

Para a surpresa, este colega que para a maioria dos outros assuntos, sempre se mostrou racional, disse que tais argumentos não podem fazê-lo mudar de idéia, pois ele não votaria de forma alguma em um cadidato sem carisma como Dilma e Serra. Solicitado a ele que desse um motivo mais técnico, ele disse não haver motivo, para ele era simplesmente “questão de gosto”.

  • Mudando o rumo.

Quando numa viagem, percebemos que erramos o trajeto, não titubeamos em fazer a correção mudando o rumo. Mudar de opinião, quando descobrimos que estamos errados, é sinônimo se sensatez. Porém poucas pessoas fazem essa correção quando o assunto envolvido sofre fortes influências emocionais.

Exatamente por esse motivo, tenho fortes restrições aos chamados filósofos cristãos e fico sempre com um pé atrás quando comentários são feitos por especialistas de determinada área que é muito religioso. É claro que esse meu comportamento pode ser tachado de preconceituoso ou mesmo, pode se dizer que é fruto de uma apaixonante opinião contraria à religião. Mas vamos ao argumento: No inicio desta dissertação, vimos o ponto de vista de Kurt Wise que (repetindo aqui) disse:

“[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a Palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição”.

O que isso quer exatamente dizer? Que não importa se o rumo que estou seguindo esteja certo ou errado, não vou absolutamente me desviar desta estrada! Quão honesta esta atitude lhe parece? Poderíamos confiar nos argumentos de alguém que diz não se importar com os fatos? Com alguém que pense que sua opinião deve prevalecer mesmo quando confrontada com a realidade da coisa em si?

Um filosofo cristão, acaba sendo obrigado, por questão de coerência mínina a desenvolver suas idéias dentro de um contexto cujo modelo do mundo não fuja muito do modelo de mundo da sua tradição religiosa. Assim a liberdade para inferir idéias novas é tolhida por forças desta tradição. O rompimento desta barreira é totalmente possível como a história de nosso avanço cientifico tem mostrado, porém a um custo elevado e numa morosidade desnecessária.

A preponderância das emoções sobre a razão, certamente exerceu no passado um papel importante. Imagine o homem primitivo ao ser confrontado com uma fera selvagem, pensando e calculando se seria melhor correr em direção ao rio ou em direção à árvore mais próxima. Esta vantagem evolutiva torna-se incomoda em certas situações. Este é o efeito colateral de uma mudança de ambiente radical que estamos vivendo. Assim como devemos tomar cuidado com o abuso da alimentação abundante, com o excesso de açúcar e gordura, devemos também gastar energia para nos policiarmos contra nossas tendências de sermos motivados pelas emoções.