quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Da concordância de Deus não ser somente uma questão teológica, mas, filosófica e mesmo, uma questão cientifica, afirmando porém a impossibilidade de h

A questão dos modelos.


A filosofia tem como objetivo primário, a busca pela verdade. Desde seu nascimento clássico, na Grécia antiga, o homem tem buscado através do desenvolvimento de inúmeros recursos como: análise e observação, matemática, lógica e mais recentemente o uso de instrumentos, desde o mais antigo e rudimentar telescópio até o grande acelerador de partículas - LHC, alcançar o conhecimento da natureza, seus mecanismos, enfim a verdade sobre a vida, o universo e tudo o mais (Veja o filme: O guia do mochileiro das galáxias, baseado no livro de Douglas Adams).


Vemos o mundo através de nossos sentidos e estes retratam apenas o que seria uma versão da realidade ao invés da própria realidade. Tomemos como exemplo as cores. Quando olhamos uma bela rosa purpura em nosso jardim, a luz vinda do sol, incide sobre a flor que absorve os vários comprimentos de ondas com exceção de um determinado comprimento que é refletido e captado pelos nossos olhos. Nosso cérebro por sua vez, interpreta este comprimento de onda como sendo vermelho. Nossos sentidos são bastante imperfeitos, apenas para ficar no exemplo das cores, nosso cérebro não consegue interpretar uma série de comprimento de ondas como o infravermelho, o ultravioleta e mais.


Devido a nossa visão apenas retratar uma “versão” ou uma interpretação da realidade, muitos filósofos, acreditam sermos incapazes de encontrarmos a verdade a respeito da natureza. Entendo este ponto de vista, porém, para efeitos práticos, nossa visão da realidade, mesmo sendo apenas uma interpretação poderia descrever um “modelo” da verdade da natureza.


Se formos estudar a fundo a história da filosofia e das ciências, veremos a história da descrição de inúmeros modelos que buscavam e buscam retratar a realidade. Muitos talvez digam que este é um empreendimento fadado ao fracasso, pois devido a relatividade das coisas, é impossível conhecermos a verdadeira natureza das coisas. Tais pessoas costumam argumentar que a ciência é falha, afinal, no passado o modelo de mundo descrito pelos filósofos e cientistas, falharam em retratar a realidade. Cita-se como exemplo a evolução dos modelos para o universo (na realidade para o sistema solar) como o geocentrísmo aristotélico, seguido pelo heliocentrismo de copérnico e sua evolução feita por Kepler, Newton e por fim Albert Einstein, sendo que a própria ciência sabe que Einstein não detém a palavra final sobre o assunto. Por esta razão, afirma-se que é simplesmente impossível alcançar o conhecimento definitivo sobre a natureza das coisas.


Apesar da extrema dificuldade, não vejo como verdade esta afirmação, afinal temos muitos modelos que atingiram o estágio de conhecimento (mesmo enquanto modelo) definitivo. tivemos muita especulação sobre a forma da Terra no passado, porém hoje não se questiona mais este assunto. O funcionamento do sol foi motivo de muita especulação de muitos modelos sugeridos ao longo do tempo, hoje porém conhecemos perfeitamente os mecanismos físicos e químicos que gera sua imensa quantidade de energia. Portanto, a verdade mesmo enquanto modelo gerado pelos nossos sentidos para retratar uma realidade insondável de outra modo, para efeitos práticos não deixa de ser realidade. Talvez o melhor exemplo para isso, seja a criação dos signos numéricos como modelo de expressão de grandezas que originou toda a sofisticada matemática que nos permitiu avançar na ciência e na tecnologia atual. Não vemos ninguém questionar o óbvio 1+1=2, e no entanto isso nada mais é que um modelo inventado por nós para retratar a realidade.


Um desses modelos propostos para explicar a realidade que nos rodeia é Deus. Portanto se a filosofia e a ciência é a busca pela verdade através da criação de modelos que expliquem a realidade como a enxergamos, Deus tal qual teoria para o surgimento do mundo natural é propriamente uma questão filosófica e cientifica.


É Deus um modelo adequado para a realidade?


Uma pergunta que temos que levantar antes de adentrar na questão proposta é: Qual Deus ou tipo de Deus iremos postular como teoria para a realidade que se nos apresenta em forma deste modelo de mundo sentido por nós? Embora possa haver indignação em face desta pergunta, afinal poderiam afirmar que Deus é um só! Ainda assim, se faz necessário estabelecer certos atributos a essa divindade. Poderíamos postular Sheeva, Zeus, Odin ou qualquer outro Deus que num tempo ou outro foi ou continua sendo a base fundamental da crença de determinados povos. Cada um destes, apresentam atributos peculiares e próprios e a escolha de um em detrimento de outro poderia se tornar objeto de uma longa argumentação.

Para sermos um pouco mais pragmáticos, podemos utilizar como base o Deus da tradição judaico-cristã. A escolha deste Deus em detrimento de qualquer outro, pode ser explicado pelo fato de ser a divindade que mais possui adeptos atualmente, afinal os que praticam o judaísmo, o cristianismo e o islamismo professam a crença neste Deus. Apesar deste assunto também ter suas controvérsias, afinal ao se analisar a fundo estas três crenças de base comum, poderá se perceber que estaremos falando de 3 tipos de divindades diferentes com muitos atributos comuns, portanto mais uma vez, para efeitos práticas iremos nos concentrar nos atributos comuns desta divindade.


Quais são os atributos da divindade escolhida? Para ficarmos nos mais comuns e conhecidos, podemos citar: Todo-poderoso (poder infinito), onisciente (sabe tudo, inclusive o presente, o passado e o futuro), onipresente (está em todos os lugares), perfeito em todas as coisas, amoroso, benevolente, justo, verdadeiro, criador de todas as coisas, etc.


Como sabemos tudo isso a respeito deste Deus? Esta pergunta tem duas respostas, a primeira, através dos livros sagrados das diversas tradições religiosas como a bíblia, o torá e o alcorão. A segunda, através da observação do mundo à nossa volta, onde o que vemos, reflete as qualidades daquele que o criou.


A análise de qualquer um dos livros sagrados das três grandes tradições monoteístas já citadas poderá ficar para um outro artigo, basta no entanto dizer que tais livros retratam apenas e nada mais que a sabedoria de povos bárbaros em seu primitivo estágio cultural de desenvolvimento. Quanto à segunda resposta, a saber, que o modelo de mundo por nós visualizado, reflete os atributos de Deus, podemos nos aprofundar um pouco mais nesta questão.


Quando tais atributos foram sugeridos para a divindade da tradição judaico-cristã, o modelo de mundo que havia, diferia em muito do modelo de mundo atual. O modelo de mundo da antiguidade até logo depois de Newton era considerado perfeito. O exame minucioso do universo e seu funcionamento, apontavam para um mundo planejado e construído como o mecanismo de um relógio. Por onde se olhasse, via-se regularidade, ordem e perfeição. Portanto com esta visão poderia se postular um criador todo-poderoso, perfeito em tudo e dotado de uma inteligência incomparável.


Mas coisas ruins aconteciam neste mundo perfeito. Havia maldade entre as pessoas, e não raro, os mais fortes e poderosos, subjugavam, escravizavam e até mesmo matavam inocentes. Para explicar tais coisas que ocorriam no modelo de mundo vislumbrado, postulou-se que esta divindade dotou suas criaturas do livre-arbítrio.


Não raro ocorriam eventos que acabavam confundindo um pouco as pessoas como terremotos, maremotos, seca, inundações e outras catástrofes naturais que ceifava a vida das pessoas. Assim postulou-se que esta divindade era justa e severa em suas exigências (quando os que morriam eram inimigos), ou que a mesma escrevia certo por linhas tortas (quando não se compreendia plenamente o ocorrido, por tais catástrofes ceifarem vidas de amigos e conterrâneos).


Muitas coisas mudaram deste então. O mundo atual, não se apresenta mais perfeito como um relógio, antes o que impera no universo é o caos, e se vemos uma certa regularidade, é simplesmente devido a escala de nossa visão. No caos universal, estrelas morrem o tempo todo, grandes galáxias colidem ou engolem outras galáxias menores, planetas se chocam com outros planetas ou com grandes meteoros ou cometas.


Catástrofes naturais têm hoje explicações naturais, onde não há mais necessidade de se invocar uma divindade para explica-las. E quanto à tese da maldade como sendo um efeito colateral do livre-arbítrio, basta dizer que o livre-arbítrio é incompatível com um ser onisciênte, pois isso criaria uma paradoxo da mesma natureza da seguinte questão: O que ocorreria se um objeto imóvel encontrasse uma força irresistível? Na verdade para ambas as questões o paradoxo é aparente, afinal, o que temos é uma falácia, pois, se há um objeto imóvel não pode haver uma força irresistível, ou se existe essa força, não haveria um objeto que seja imóvel. Assim também ou temos um ser que é onisciente e portanto não pode dar livre-arbítrio, ou temos uma divindade que dá livre-arbítrio mas não é onisciente.


Se fossemos continuar nesta linha, veríamos que o modelo de realidade atual, simplesmente não comporta um Deus com os atributos da divindade da tradição judaico-cristã.


Quanto a questão de causa e efeito evidentemente vista insistentemente no mundo tal qual modelo observado pelos nossos sentidos, basta dizer que Deus como causador, cria mais um problema que solução para a questão, afinal se tudo tem uma causa, porque excetuar o causador? Sendo esse causador um ser mais complexo que sua causa, ainda restaria a questão de quem causou o causador (isso me faz lembrar a piadinha que diz que toda a regra tem uma exceção, sendo isso uma regra, onde está então a exceção?), portanto segundo a regra da navalha de Ockham, postular uma complexidade maior como origem para uma complexidade menor, só transfere o problema da origem.


A questão da falseabilidade - um dragão em minha garagem.


Falseabilidade (ou refutabilidade) é um conceito importante na filosofia da ciência (epistemologia). Para uma asserção ser refutável ou falseável, em princípio será possível fazer uma observação ou fazer uma experiência física que tente mostrar que essa asserção é falsa.

Por exemplo, a asserção "todos os corvos são pretos" poderia ser falsificada pela observação de um corvo vermelho. A escola de pensamento que coloca a ênfase na importância da Falseabilidade como um princípio filosófico é conhecida como a Falseabilidade.

A falseabilidade foi desenvolvida inicialmente por Karl Popper nos anos 30 do século XX. Popper reparou que dois tipos de enunciados são de particular valor para os cientistas. O primeiro são enunciados de observações, tais como "este cisne é branco". Na teoria da lógica chamamos a estes enunciados existenciais singulares, uma vez que afirmam a existência de uma coisa em particular. Eles podem ser analisados na forma: existe um x que é cisne e é branco. Onde: C é o predicado Cisne, B é o predicado branco.

O segundo tipo de enunciado de interesse para os cientistas categoriza todas as instâncias de alguma coisa, por exemplo "todos os cisnes são brancos". Na lógica chamamos a estes enunciados universais. Eles são normalmente analisados na forma para todos os x, se x é um cisne então x é branco.

"Leis" científicas (mais corretamente chamadas teorias) são normalmente tidas como sendo desta forma. Talvez a questão mais difícil na metodologia científica é, como é que podemos chegar às teorias partindo das observações? Como podemos inferir de forma válida um enunciado universal a partir de enunciados existenciais (por muitos que sejam)?

A metodologia indutivista supunha que se pode passar de uma série de enunciados singulares para um enunciado universal. Ou seja, que se pode passar de um "este é um cisne branco", "ali está outro cisne branco", e por aí em diante, para um enunciado universal como "todos os cisnes são brancos". Este método é claramente inválido em lógica, uma vez que será sempre possível que exista um cisne não-branco que por algum motivo que não tenha sido observado.

Este era o Problema da indução, identificado por David Hume no século XVIII e cuja resolução é proposta por Popper.

Popper defendeu que a ciência não poderia ser baseada em tal inferência. Ele propôs a falseabilidade como a solução do problema da indução. Popper viu que apesar de um enunciado existencial singular como "este cisne é branco" não poder ser usado para afirmar um enunciado universal, ele pode ser usado para mostrar que um determinado enunciado universal é falso: a observação existencial singular de um cisne negro serve para mostrar que o enunciado universal "todos os cisnes são brancos" é falso. Em lógica chamamos a isto de modus tollens.

Se uma questão portanto não pode ser falseada, o melhor a fazer é não levar tal questão a sério. Veja o exemplo:

Posso afirmar categoricamente que há um dragão em minha garagem. A principio, você acha que estou de brincadeira, mas quando continuo irritantemente a insistir, você talvez diga: Muito bem, vamos até lá então para vermos esse dragão. Ao chegarmos até minha casa e abrir a garagem, você como já supunha, nada vê. Para explicar este fato, digo que meu dragão é invisível. Você propõe que joguemos farinha no chão para vermos as pegadas do dragão, então eu digo que meu dragão flutua. Você propõe que borrifemos tinta sobre o dragão, então eu digo que meu dragão é incorpóreo. Você tem a idéia de utilizarmos um óculo de infravermelho para vermos o dragão pela sua temperatura. Dessa vez digo que meu dragão é atérmico.

Portanto, que diferença tem de um dragão invisível, incorpóreo, que flutua e atérmico de um não-dragão ou um dragão inexistente. É exatamente nisso que consiste a regra da falseabilidade.


Transcendência e Imanência.


No relativismo do politicamente correto, sempre ouvimos que ciência e religião são coisas distintas e portanto não faria muito sentido dizer que uma contradiga a outra ou que uma esteja certa enquanto a outra esta errada. Afinal, cada qual trata de assuntos distintos e próprios: A ciência cuida do mundo material enquanto a religião fala do mundo espiritual.


O problema é que quando falamos de um Deus criador e ativo nos assuntos humanos como é o caso do Deus da tradição judaico-cristã toda essa conversa vai por água abaixo. Isso porque um ser espiritual (seja lá o que isso queira dizer) que interfira no mundo físico acaba perturbando a matéria e portanto torna-se passível de medição e por conseguinte assunto a ser tratado pela ciência.


A ciência é a ferramenta utilizada para entendermos o mundo ao nosso redor, seus mecanismos e mesmo sua origem. Quando postulamos a existência de um ser supremo que se tornou o criador de todo o universo, o mesmo passa a ser motivo de análise para a ciência. E isso é muito natural, uma vez que a existência ou não deste ser, influi no modelo de mundo observado. Vejamos um exemplo: Se o Deus da tradição judaico-cristã existir e se de fato a Bíblia, a Torá ou mesmo o Alcorão estiverem corretos em seu relato, não iríamos nos surpreender ao encontrar um fóssil de ornitorrinco no oriente médio. Essa descoberta porém iria simplesmente destruir a teoria da evolução, um dos pilares da biologia moderna.


Vemos assim que um modelo de mundo onde haja um ser supremo como criador deveria conter rastros que nos permitisse concluir sobre a sua existência. Muitos até podem alegar ao analisarem o mundo natural que este traço existe e que é plenamente visível na ordem e perfeição ao nosso redor. Porém já mencionamos que com o avanço de nossas observações do universo, descobrimos que essa ordem é apenas aparente, pois o que impera mesmo em larga escala é o caos total. Da mesma forma, vemos muita imperfeição no mundo biológico, falhas grosseiras em várias espécies. Vejamos um bom exemplo, o olho humano:


Parece quase ingratidão desancar um órgão que normalmente presta tão excelentes serviços à nossa espécie, mas vamos direto ao ponto: o olho humano é, no máximo, um quebra-galho. Se tivesse sido projetado para uma feira de ciências, levaria nota 6, e olhe lá. Se fosse um novo “gadget”, destinado a competir com o iPhone, encalharia nas prateleiras. Apesar do seu funcionamento aparentemente azeitado, nosso olho está longe de ser perfeito, e a culpa de seus inúmeros “defeitos de fábrica” é do processo evolutivo complicado e tortuoso que o trouxe até aqui.

É irônico chegar a esse tipo de veredicto sobre nosso aparato visual, principalmente quando se considera que a suposta perfeição dele foi e continua sendo usada como argumento CONTRA a ideia de evolução por meio da seleção natural. Um órgão tão complexo e de funcionamento tão avançado, argumentam os críticos da evolução desde Darwin, jamais poderia ter sido “montado” passo a passo, mas só poderia ter sido projetado de uma vez por todas pela interferência direta de uma inteligência divina.

Deixemos de lado o fato de que o mundo pulula de criaturas com olhos bem mais simples que os nossos, as quais sobrevivem um bocado bem mesmo assim (e cujo aparato visual, aliás, pode muito bem servir de análogo para o que deu origem ao nosso, mais sofisticado). Vamos analisar apenas o design do nosso olho, esse suposto prodígio de complexidade e infalibilidade. Por que será que todos os modelos dele já saem de fábrica com um ponto cego?

Gambiarra

Porque o design do sistema captador de luz do nosso olho é, digamos, meio porco. A coisa toda está de ponta-cabeça, para começar. A informação luminosa vinda do ambiente externo é captada pelas células fotorreceptoras (receptoras de luz), que estão situadas na camada MAIS FUNDA da nossa retina e depois passam esses dados para o cérebro através do nervo óptico. Não seria muito mais fácil e lógico se elas estivessem no topo da retina, de maneira a captar diretamente a luz? Seria, mas a luminosidade precisa atravessar várias camadas de células nervosas e vasos sanguíneos para finalmente ser “lida”.

Pior ainda: o fato de o corpo das células fotorreceptoras estar “de costas” para a luz faz com que as fibras nervosas oriundas delas se juntem mais em cima, formando o nervo óptico, o qual precisa passar por um BURACO na retina no seu caminho rumo ao cérebro. É justamente esse buraco que forma o ponto cego na visão de vertebrados como nós – um ponto cego que precisa ser corrigido “virtualmente” pelo cérebro quando este interpreta as informações visuais captadas pelo olho.

Essa gambiarra cerebral seria totalmente desnecessária se o design do olho fosse mais “racional”. E temos exemplos vivos disso. São os cefalópodes – moluscos como o polvo e a lula (não confundir com O Lula que nunca vê nada), cujo olho é muito parecido com o nosso, mas cuja retina está organizada segundo boas normas de engenharia e tem as células receptoras de luz no topo, e não no fundo. Isso dispensa a necessidade de o nervo óptico abrir um rombo na retina dos polvos e das lulas.

A explicação para diferença é uma só: trajetórias evolutivas distintas. O mais provável é que o ancestral dos vertebrados, que nos legou uma forma primitiva do que acabaria se tornando o nosso olho, fosse um bicho marinho pequeno e quase transparente, explica o médico Steven Novella, da Universidade Yale (EUA), em artigo para a revista científica de acesso livre “Evolution: Education and Outreach”.

Nas condições desse protovertebrado, a organização específica das camadas da retina pouco importava. Por isso, a ordem não muito razoável acabou se fixando nos descendentes dele, da mesma maneira que a ordem mais “lógica” se tornou o padrão entre os descendentes dos primeiros cefalópodes. O problema é que, nos dois casos, a disposição das camadas da retina virou um esquema fixo do desenvolvimento embrionário, que o organismo não mais conseguia reverter. Ora, não possível simplesmente possível “demolir” tudo e recomeçar do zero. A evolução do olho teve de prosseguir usando as matérias-primas à mão, aperfeiçoando onde dava e não mexendo onde não dava, mais ou menos como quem constrói um puxadinho quando acabou o espaço da casa.

Doenças da evolução

Para Novella, é justamente esse modelo evolutivo do puxadinho que explica uma série de problemas de saúde ligados ao design emporcalhado da visão. Exemplo número 1: perda de visão associada à diabetes crônica, a chamada retinopatia diabética. O que ocorre é que os vasos sanguíneos que alimentam a retina ficam em cima dela. Nos casos crônicos de diabetes, ocorre uma falta de oxigenação nesses vasos. Para compensar, a retina estimula o crescimento de mais deles – o que faz com que os vasos sanguíneos simplesmente fiquem na frente da retina, atrapalhando a visão. Seria muito mais lógico que a irrigação sanguínea viesse DE TRÁS da retina. Seria, mas não é o que acontece.

Exemplo número 2: descolamento da retina, que também pode causar cegueira. Você nunca vai achar um polvo com esse problema, porque as terminações nervosas (os chamados axônios) das células fotorreceptoras desse bicho ajudam a ancorar tais células firmemente nas camadas mais profundas da retina. Já a organização invertida da retina humana deixa tais terminações “no ar”, o que pode favorecer o descolamento.

Exemplo número 3: degeneração macular, a causa mais comum de cegueira no mundo. Trata-se de uma disfunção na mácula, a região da retina onde há a concentração mais densa de células fotorreceptoras. Acontece que a mácula só existe como uma forma de compensar a organização tosca da retina: é uma pequena área que está “limpa” de nervos e vasos sanguíneos, tornando-se central para a visão. Problemas nela levam a uma perda séria da precisão visual. De novo, polvos e lulas não precisam de mácula e, portanto, não sofrem de degeneração macular.

Músculos demais

Engana-se quem pensa que a retina invertida é a única grande falha de design no olho humano, diz Novella. Ainda mais sem-vergonha é a estrutura dos músculos que governam o movimento dos olhos. Primeiro, há mais músculos do que o necessário: são seis, enquanto três bastariam para todos os movimentos possíveis do globo ocular. Pior ainda, esses seis músculos NÃO são redundantes entre si: se houver falhas em qualquer um deles, o movimento fica tão prejudicado que o resultado é uma visão dupla ou outros problemas.

Bastaria que o número de músculos fosse reduzido para que o design se tornasse mais robusto, menos sujeito a falhas – afinal, há menos peças para “quebrar” ao longo do caminho. Mas tudo indica que o nosso olho é só uma versão modificada do olho de peixes primitivos, que tinham SETE músculos oculares (os cães ainda têm esse mesmo número, o qual também já foi registrado em alguns poucos indivíduos humanos). A nossa bagagem histórica, mais uma vez, acaba pesando e causando problemas.

Eis, portanto, o paradoxo da evolução de órgãos complexos, que pode ser estendido, em maior ou menor grau, para qualquer característica humana ou animal. O “design” é sempre de baixo para cima, e nunca de cima para baixo. A reciclagem e o pão-durismo imperam: estamos falando de puxadinhos, e não do Empire State. E, no entanto, essa fraqueza é um bocado forte; do simples e do não-guiado emerge a variedade, a beleza e a adaptação a todo tipo de ambiente. De certa maneira, é uma forma de “arte” espontânea e colaborativa que já dura 4 bilhões de anos.

Tais exemplos retratam um modelo de mundo que se harmoniza com a teoria da evolução e não com o modelo de mundo originado por um criador perfeito.

É verdade que se Deus não existe, então tudo é permitido?


Por último, podemos analisar a questão da moral. A Ivan Karamazov, personagem do escritor Dostoiévski é atribuída a fala acima que diz que “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Será que Deus é mesmo uma boa fonte moral? Se a resposta a esta questão for um sim, podemos fazer outra pergunta: De que forma Deus poderia ser uma boa fonte de moralidade? Bom, pressupondo que não haja hoje um canal exclusivo de comunicação com Deus, poderia se afirmar que tais códigos morais foram registrados nos livros sagrados, que contem a sabedoria daquele que inspirou sua escrita. Sendo assim, a bíblia passaria a ser um bom guia moral atemporal, pois refletiria uma sabedoria superior. Outra possibilidade, seria que a existência de um ser supremo que puniria os que não respeitasse seu código moral e que recompensasse os que se deixasse guiar pelo mesmo, serviria de estímulo para termos uma moral elevada.

Penso não ser muito moral precisarmos de um estimulo como: punição eterna x deleite eterno para fazermos o que é correto. Além disso, tais coisas violariam o tal do “livre arbítrio”. Veja o exemplo: Nos é dado por alguém que possui em suas mãos um revolver, o livre arbítrio para escolhermos entre a posição “A” e a posição “B”, porém caso escolhamos a posição “B”, ele afirma que irá disparar um tiro em nossa cabeça.

Acho desnecessário continuar a argumentação sobre este ponto. Vejamos então a questão do “bom livro”- a bíblia como guia moral.


A verdade é que a maioria das pessoas nunca leram a bíblia toda, portanto afirmar que ela constitui uma orientação moral adequada parece exagero. Não obstante poderia se afirmar que ela serviu de inspiração para nosso código de conduta. Então vejamos um pouco sobre a moralidade da bíblia analisando uns poucos textos. Posso afirmar com a autoridade de quem já leu a bíblia toda seis vezes em três traduções diferentes, que estes textos não são os mais surpreendentes sobre esta questão.





Agora pois matai todo o varão entre as crianças; e matai toda a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele. Porém, todas as crianças fêmeas, que não conheceram algum homem deitando-se com ele, deixai-as viver para vós.

Números, 31:17-18


Feliz aquele que pegar em teus filhos e der com eles nas pedras.

Salmos, 137:9


E o senhor teu Deus a dará na tua mão; e todo o varão que houver nela passarás ao fio da espada. Salvo somente as mulheres e as crianças e os animais; e tudo o que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te deu o Senhor teu Deus.

Deuteronômio, 20:13-14


Se uma mulher conceber e tiver um varão, será imunda sete dias... Mas se tiver uma fêmea, será imunda duas semanas.

Levítico, 12:2-5


A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o seu marido, mas que esteja em silêncio.

1 Timóteo, 2:11-12 (Palavras de Paulo no "novo testamento")


Se alguém ferir o seu servo, ou a sua serva, com pau, e morrerem debaixo da sua mão, certamente será castigado. Porém, se ficarem vivos por um ou dois dias, não será castigado, porque é seu dinheiro.

Êxodo, 21:20-21


Como mencionei, tais passagens não são isoladas, vejamos mais um pouco:

Outra lei bastante controversa era sobre como proceder com um escravo:

Todo dono de escravo, deveria libertar o mesmo, após um período de 7 anos de serviços prestados. (Normalmente o escravo era adquirido no seu vigor juvenil) se o escravo adquirido fosse casado ou tivesse filhos, então ao ser liberto poderia levar sua esposa e filhos. Caso, porém o escravo recebesse sua esposa de seu amo (ou se casasse enquanto servia seu dono) ao ser liberto, tanto sua esposa, como eventuais filhos que pudessem ter, ficariam com seu dono.


É claro que havia uma possibilidade de ficarem juntos. Bastaria o escravo renunciar sua liberdade, e ser escravo para sempre de seu dono. Bastante prático não é mesmo, e muito justo também (é claro que para o dono do escravo).

E tem mais, caso uma menina, uma moça, fosse vendida como escrava, e seu proprietário a tornasse uma concubina, vindo com o passar do tempo a desprezá-la (por deixar de fornecer-lhe: comida, vestimenta ou obrigações sexuais) então a mesma poderia ir embora livre. Isso parece justo não é mesmo? Porém a mesma não teria direito a levar absolutamente nada. Como se sustentar? Dificilmente outro homem iria querê-la.

Entre outras coisas, as leis eram bem patriarcais, ou seja: homens tinham direito a tudo, suas mulheres eram consideradas (e até mesmo chamadas na bíblia) de sua propriedade. Homens poderiam ter quantas mulheres quisesse, porém caso uma mulher tivesse mais que um homem, a mesma seria ou apedrejada ou queimada.


Para quem acha que isso são coisas do velho testamento, vale ressaltar que a escravidão e o tratamento inferior concedido às mulheres também constam no novo testamento.



A impossibilidade de uma filosofia religiosa.


No passado, a filosofia conseguia abarcar todo o conhecimento adquirido e acumulado por diversos pensadores que buscavam ter um entendimento do mundo natural. Com o avanço e o acúmulo do conhecimento, tornou-se impossível que indivíduos conseguissem fazer progresso em todos os diversos ramos de conhecimento, e por isso, toda a complexidade do mundo natural foi dividida em problemas menores que passaram a ser pesquisado por especialistas. As ciências atualmente, adota este conceito e é por isso que ela hoje está separada (de forma bastante simplificada) em diversas áreas como: ciência física, química, biológica, etc.


Um fluxograma bastante simplista do método cientifico seria mais ou menos assim:



  • Ao efetuar observações sobre determinados fenômenos, 1º) postule premissas - 2º) execute experimentos ponto estas premissas à prova - 3º) Caso os experimentos não confirmem as premissas, volte ao início, caso porém os experimentos confirmem as premissas, elabore uma teoria - 4º) Utilize a teoria para compreender melhor o mundo ao redor, testando e elaborando novos experimentos para comprová-la até o limíte.


Veja que mesmo ótimas premissas que se tornaram excelentes teorias foram descartadas com o tempo. O melhor exemplo disso talvez tenha sido a teoria da gravitação universal. Há excelentes publicações que narram a saga pela busca de uma explicação para o funcionamento do universo. Dois títulos que recomendo é: O universo elegante e O tecido do cosmos, ambos de Brian Greene. Apenas para dar sequência ao raciocínio, num determinado ponto da saga (este não foi o início), Isaac Newton, postulou premissas, criou uma matemática para colocar em teste suas ideias, e por fim formulou uma engenhosa e maravilhosa teoria que conseguia explicar e prever com exatidão, não somente a trajetória de objetos na Terra (desde o tempo exato que uma maça leva para alcançar o chão após sua queda de uma determinada altura, até o local exato que uma pedra iria cair depois de lançada por um indivíduo) como também prever a orbita dos planetas, meteoros, cometas, luas, etc.


Essa teoria foi tão revolucionária que até hoje em dia, ela é utilizada para calcular com precisão quase tudo ao nosso redor. Eu disse quase tudo por um motivo. Embora excelente, a teoria estava errada. E este erro foi descoberto bem mais tarde, quando se viu um pequeno desvio entre a observação da trajetória do planeta mercúrio e também do planeta Urano (este ainda nem conhecido na época de Newton) com a previsão efetuada através da teoria.


Esta e outras falhas motivaram a formulação de novas premissas que deram origem a novas teorias, entre elas a Teoria da Relatividade elaborada por Albert Einstein que embora aparentemente bastante excêntrica (entre outras coisas, postula que o tempo passa mais rápido ou mais lento dependendo do estado dos que estão envolvidos no experimento) tem se mostrado robusta e passado com louvou em todos os testes feitos à exaustão.


O sucesso do método cientifico é justamente o fato de não haver conformação por parte dos que o praticam. Caso alguém consiga encontrar uma falha na teoria de Einstein, o mesmo certamente receberá o premio Nobel.


Mas que dizer da religião. A mesma conforme vimos no início, também formula premissas para explicar o mundo natural. Porém um fluxograma de seu método seria algo mais ou menos assim:


  • Ao efetuar observações sobre determinados fenômenos, 1º) postule premissas (no caso a existência de um ser transcendente originador de tudo). 2º) Nunca crie experimentos que possam levá-lo a duvidar da premissa postulada. - 3º) Caso surjam novas evidências tente ou ignorá-las ou distorce-las de forma que a mesma não possa contradizer a premissa postulada.


Sendo assim, caso existisse, um filosofo cristão ou religioso, este estaria totalmente comprometido com sua premissa inviolável e não falseável. Este, portanto, seria por natureza dogmático e por coerência, um fundamentalista intelectual, qualidades estas que não combinam com a essência da filosofia.




Leitura recomendada:


  • O mundo assombrado pelos demonios - Carl Sagan;
  • Eu, primata - Frans de Waal;
  • Aprender a viver - Luc Ferry;
  • Quebrando o encanto - Daniel C. Dennett;
  • Deus, um delírio - Richard Dawkins;