Filosofia - quem precisa disso?
(Este é o texto de um discurso feito pela escritora Ayn Rand para os formandos da escola militar de West Point em 1974. Neste discurso ela reflete sobre a necessidade de se ter uma visão integrada do mundo, e sobre como a filosofia permite obter tal visão.)
Já que sou uma escritora de ficção, vamos começar com uma pequena história. Imagine que você é um astronauta cuja espaçonave perde o controle e cai em um planeta desconhecido. Quando você recobra a consciência e descobre que não está gravemente ferido, as primeiras três perguntas em sua mente seriam: Onde estou? Como descobrir? O que devo fazer?
Você vê uma vegetação não familiar do lado de fora, e há ar para respirar; a luz do sol parece mais pálida do que você se lembra, e mais fria. Você se vira para ver o céu, mas pára. Você é acometido por um sentimento súbito: se você não olhar, não vai ter que saber que está, talvez, distante demais da Terra e que é impossivel retornar; então enquanto você não olhar, é livre para acreditar no que quiser – e você sente um enevoado, agradável, mas algo culpado, tipo de esperança.
Você se volta para seus instrumentos: eles podem estar danificados, você não sabe o quanto seriamente. Mas você pára, acometido por um medo súbito: como você pode confiar nesses instrumentos? Como ter certeza de que eles não vão enganá-lo? Como você pode saber se eles vão funcionar em um mundo diferente? Você se afasta dos instrumentos.
Agora você se pergunta por quê não tem vontade de fazer nada. Parece muito mais seguro apenas esperar para algo, de alguma forma, aparecer; é melhor, você diz para si mesmo, não balançar a espaçonave. Ao longe na distância, você vê uma espécie de criaturas vivas se aproximando; você não sabe se são humanos, mas eles andam em dois pés. Eles, você decide, vão lhe dizer o que fazer.
Ninguém nunca mais tem notícias suas.
Isso é fantasia, você diz? Você não agiria dessa forma e nenhum astronauta jamais o faria? Talvez não. Mas essa é a maneira na qual a maioria dos homens vive suas vidas, aqui, na Terra.
A maioria das pessoas passa os dias lutando para evadir três questões, cujas repostas sublinham cada pensamento, sentimento e ação, estejam elas consciente disso ou não: Onde estou? Como eu sei isso? O que devo fazer?
Quando estão velhas o suficiente para entender essas perguntas, as pessoas acreditam que sabem as respostas. Onde estou? Digamos, em Nova York. Como eu sei? É auto-evidente. O que eu devo fazer? Aqui, elas não têm tanta certeza – mas a resposta padrão é: o que quer que todo mundo esteja fazendo. O único problema aparente é que eles não são muito ativos, não muito confiantes, não muito felizes – e sentem, de vez em quando, um medo sem razão e uma culpa indefinida, dos quais não conseguem se livrar.
Eles nunca descobriram o fato de que o problema vem das três perguntas não respondidas – e que existe uma única ciência capaz de respondê-las: a filosofia.
A filosofia estuda a natureza fundamental da existência, do homem, e da relação do homem com a existência. Ao contrário das ciências especiais, que lidam apenas com aspectos particulares, a filosofia lida com os aspectos do universo que dizem respeito à tudo que existe. No reino da percepção, as ciências especiais são as árvores, mas a filosofia é o solo fértil que torna a floresta possível.
A filosofia não diria a você, por exemplo, se você está em Nova York ou em Zanzibar (embora ela lhe desse os meios para descobrir). Mas aqui está o que ela iria lhe dizer: Você está em um universo que é regido por leis naturais e, consequentemente, é estável, firme, absoluto – e conhecível? Ou você está em um caos incompreensível, um reino de milagres inexplicáveis, um fluxo incompreensível e imprevisível, o qual a sua mente é incapaz de captar? As coisas que você vê ao seu redor são reais – ou são apenas uma ilusão? Elas existem independente de um observador – ou são criadas pelo observador? Elas são o sujeito ou o objeto da consciência do homem? Elas são o que são – ou podem ser modificadas por um simples ato da sua consciência, como um desejo?
A natureza das suas ações – e de sua ambição – será diferente, de acordo com o conjunto de respostas que você vir a aceitar. Tais respostas são da província da metafísica – o estudo da existência como tal ou, nas palavras de Aristóteles, do “ser como ser” – o ramo básico da filosofia.
Não importa a quais conclusões você chegue, você será confrontado pela necessidade de responder outra pergunta, corolária: Como eu sei? Como o homem não é onisciente ou infalível, você precisa descobrir o que pode chamar de conhecimento e como provar a validade das suas conclusões. O homem adquire conhecimento através de um processo da razão – ou através de uma revelação súbita de um poder sobrenatural? A razão é uma faculdade que identifica e integra o material provido pelos sentidos – ou é alimentada por idéias inatas, implantadas na mente das pessoas antes delas nascerem? A razão é competente para perceber a realidade – ou o homem possui alguma outra faculdade cognitiva superior à razão? O homem pode alcançar a certeza – ou está condenado à dúvida perpétua?
A extensão da sua auto-confiança – e do seu sucesso – será diferente, de acordo com o conjunto de respostas que você aceitar. Essas respostas são a província da epistemologia, a teoria do conhecimento, que estuda os meios de cognição do homem.
Estes dois ramos são a fundação teórica da filosofia. O terceiro ramo – ética – pode ser considerado a sua tecnologia. A ética não se aplica a tudo que existe, apenas às pessoas, mas ela se aplica a todos os aspectos de suas vidas: seu caráter, suas ações, seus valores, sua relação com o todo da existência. Ética, ou moralidade, define um código de valores para guiar as escolhas e ações das pessoas – as escolhas e ações que determinam o curso de sua vida.
Assim como o astronauta da minha história não sabia o que deveria fazer, porque se recusou a saber onde estava e como descobri-lo, você não pode saber o que deve fazer antes de conhecer a natureza do universo com o qual tem que lidar, a natureza dos seus meios de cognição – e sua própria natureza. Antes de você chegar à ética, você precisa responder as perguntas colocadas pela metafísica e pela epistemologia: o homem é um ser racional, capaz de lidar com a realidade – ou ele é um desajustado cego, irrecuperável, uma migalha carregada pelo fluxo universal? A conquista e o prazer são possíveis para o homem na terra – ou ele está condenado à derrota e à aversão? Dependendo das respostas, você pode proceder à consideração das perguntas colocadas pela ética: o que é bom ou mal para o homem – e por quê? A preocupação primária do homem deve ser uma busca pela felicidade – ou uma fuga do sofrimento? O homem deve considerar a sua auto-satisfação – ou sua auto-destruição – o objetivo de sua vida? O homem deve perseguir seus valores – ou deve colocar os interesses dos outros antes dos seus próprios? O homem deve aspirar à felicidade – ou ao auto-sacrifício?
Eu não preciso mostrar as diferentes consequências destes dois conjuntos de respostas. Vocês podem vê-las em todos os lugares – dentro de você e ao seu redor.
As respostas dadas pela ética determinam como as pessoas devem tratar outras pessoas, e isso determina o quarto ramo da filosofia: a política, que define os princípios de um sistema social propriamente dito. Como um exemplo do papel da filosofia, a filosofia política não irá lhe dizer quanta gasolina racionada você deve receber e em qual dia da semana – ela irá lhe dizer se o governo tem ou não o direito de impor o racionamento do que quer que seja.
O quinto e último ramo da filosofia é a estética, o estudo da arte, que é baseado na metafísica, na epistemologia e na ética. A arte lida com as necessidades – o reabastecimento – da consciência do homem.
Agora alguns de vocês podem dizer, como várias pessoas fazem: “Ah, eu nunca penso em termos tão abstratos – eu quero lidar com problemas concretos, particulares, da vida real – para quê eu preciso de filosofia?” Minha resposta é: para poder ter a capacidade de lidar com problemas concretos, particulares, da vida real – isto é, para ter a capacidade de viver na terra.
Você pode alegar – como a maioria das pessoas faz – que você nunca foi influenciado pela filosofia. Eu vou pedir para você verificar essa alegação. Você alguma vez já pensou ou disse o seguinte? “Não tenha tanta certeza – ninguém pode ter certeza de nada.” Essa noção veio de David Hume (e muitos, muitos outros), muito embora você talvez não tenha nunca ouvido falar nele. Ou: “Isso pode ser bom na teoria, mas não funciona na prática.” Isso veio de Platão. Ou: “Isso foi uma coisa terrível de ser feita, mas foi apenas humano, ninguém é perfeito nesse mundo.” Isso veio de Santo Agostinho. Ou: “Pode ser verdade para você, mas não é verdade para mim.” Isso veio de William James. Ou: “Eu não pude me controlar! Ninguém pode controlar nada do que faz.” Isso veio de Hegel. Ou: “Eu não posso provar, mas eu sinto que é verdade.” Isso veio de Kant. Ou: “É logico, mas lógica não tem nada a ver com a realidade.” Isso veio de Kant. Ou: “É mal, porque é egoísta.” Isso veio de Kant. Você já ouviu os ativistas modernos falando: “Aja primeiro, e pense depois?” Isso veio de John Dewey.
Algumas pessoas podem responder: “Claro, eu disse essas coisas em momentos diferentes, mas eu não tenho que acreditar em todas essas coisas o tempo todo. Pode ter sido verdade ontem, mas não é verdade hoje.” Isso veio de Hegel. Eles podem dizer: “A consistência é o duende das mentes pequenas.” Isso veio de uma mente muito pequena, Emerson. Eles podem dizer: “Mas alguém não pode transigir e pegar emprestado idéias diferentes de filosofias diferentes de acordo com as necessidades do momento?” Isso veio de Richard Nixon – que recebeu de William James.
Agora pergunte a si mesmo: se você não tem interesse em idéias abstratas, por que você (e todo mundo) se sente compelido à usá-las? O fato é que idéias abstratas são integrações conceituais que resumem um número incalculável de concretos – e que sem idéias abstratas você não seria capaz de lidar com problemas concretos, particulares, da vida real. Você estaria na posição de uma criança recém-nascida, para quem cada objeto é um fenômeno único e sem precedentes. A diferença entre o estado mental dela e o seu está no número de integrações conceituais que a sua mente realizou.
Você não tem escolha sobre a necessidade de integrar suas observações, suas experiências, seu conhecimento em idéias abstratas, isto é, em princípios. Sua única escolha é se esses princípios são verdadeiros ou falsos, se eles representam sua convicção consciente, racional – ou uma mistura de noções colhidas ao acaso, cujas fontes, validade, contexto e consequências você não conhece, noções que, com mais frequência do que não, você largaria como uma batata quente se soubesse.
Mas os princípios que você aceita (consciente ou inconscientemente) podem bater de frente ou contradizer um ao outro; eles, também, precisam ser integrados. O que os integra? A filosofia. Um sistema filosófico é uma visão integrada da existência. Como um ser humano, você não tem escolha sobre o fato de precisar de uma filosofia. Sua única escolha é se você define sua filosofia através de um processo de pensamento consciente, racional e disciplinado e de deliberação escrupulosamente racional – ou deixa o seu subconsciente acumular um monte de lixo de conclusões desmerecidas, generalizações falsas, contradições indefinidas, slogans indigestos, desejos não identificados, dúvidas e medos, reunídos pelo acaso, mas integrados pelo seu subconsciente em um tipo de filosofia vira-lata e fundidos em um único, sólido peso: a insegurança, como uma bola e corrente no lugar onde sua mente deveria ter criado asas.
Você pode dizer, como muitas pessoas o fazem, que não é fácil agir sempre com base em princípios abstratos. Não, não é fácil. Mas o quanto mais difícil é ter que agir com base neles sem nem saber o que são?
O seu subconsciente é como um computador – um computador mais complexo do que o homem pode construir – e sua principal função é a integração de suas idéias. Quem o programa? A sua mente consciente. Se você não o faz, se não alcança nenhuma convicção firme, o seu subconsciente será programado pelo acaso – e você irá se entregar ao poder de idéias que você não sabe que aceitou. Mas de um jeito ou de outro, o seu computador lhe dá relatórios, diários e horários, na forma de emoções – que são estimativas instantâneas das coisas ao seu redor, calculadas de acordo com os seus valores. Se você programou o seu computador através do pensamento consciente, você conhece a natureza dos seus valores e emoções. Se você não o fez, não sabe.
Muitas pessoas, particularmente hoje em dia, alegam que o homem não pode viver apenas de lógica, que existe o elemento emocional a ser considerado, e que eles confiam na orientação de suas emoções. Bem, assim agiu o astronauta da minha história. O erro é dele – e deles: os valores e emoções das pessoas são determinados pela sua visão fundamental da vida. O programador definitivo do seu subconsciente é a filosofia – a ciência a qual, de acordo com os emocionalistas, é impotente para afetar ou penetrar os mistérios pantanosos de suas emoções.
A qualidade do output de um computador é determinada pela qualidade do seu input. Se o seu subconsciente é programado pelo acaso, o seu output terá um caráter parecido. Vocês provavelmente já ouviram o eloqüente termo “gigo,” utilizado pelos operadores de computadores – que significa: “Garbage in, garbage out.” [“Entra lixo, sai lixo.”] A mesma fórmula se aplica ao relacionamento entre o pensamento e as emoções de uma pessoa.
Uma pessoa que é controlada pelas emoções é como uma pessoa que é controlada por um computador cujos relatórios ele não consegue ler. Ela não sabe se sua programação é verdadeira ou falsa, certa ou errada, se a levará ao sucesso ou à destruição, se ela serve aos seus propósitos ou aos propósitos de um poder desconhecido e maligno. Ela está cega em dois fronts: cega ao mundo ao seu redor e ao seu próprio mundo interior, incapaz de compreender a realidade ou seus próprios motivos, e cronicamente apavorada por ambos. Emoções não são ferramentas de cognição. As pessoas que não se interessam por filosofia precisam dela mais urgentemente: elas são as mais indefesas ao seu poder.
As pessoas que não se interessam por filosofia absorvem os seus princípios da atmosfera cultural ao seu redor – das escolas, faculdades, livros, revistas, jornais, filmes, televisão etc. Quem “dá o tom” de uma cultura? Um pequeno punhado de pessoas: os filósofos. Outros seguem sua liderança, seja por convicção ou por conveniência. Por cerca de duzentos anos, sob a influência de Immanuel Kant, a tendência dominante da filosofia tem sido dirigida para um único propósito: a destruição da mente do homem, de sua confiança no poder da razão. Hoje, nós estamos vendo o clímax dessa tendência.
Quando as pessoas abandonam a razão, elas descobrem não apenas que suas emoções não podem guiá-las, mas também que elas não conseguem experimentar nenhuma emoção que não o terror. A disseminação do vício em drogas entre os jovens criados nas modas intelectuais atuais demonstra o estado interno insuportável daqueles que foram desprivados dos seus meios de cognição e que desejam escapar da realidade – do terror da sua impotência em lidar com a existência. Observem o pavor de independência desses jovens e seu desejo desesperado de “fazer parte,” de se ligar a algum grupo, turma ou gangue. A maioria deles nunca ouviu falar de filosofia, mas eles sentem que precisam de algumas respostas fundamentais para perguntas que não têm coragem de fazer – e eles esperam que a tribo lhes diga como viver. Eles estão prontos para ser capturados por qualquer pajé, guru ou ditador. Uma das coisas mais perigosas que um homem pode fazer é submeter a sua autonomia moral aos outros: como o astronauta da minha história, ele não sabe se são humanos, embora andem sobre dois pés.
Agora você pode perguntar: se a filosofia pode ser tão maligna, por que alguém deveria estudá-la? Particularmente, por que alguém deveria estudar as teorias filosóficas que são obviamente falsas, não fazem nenhum sentido, e não apresentam qualquer ligação com a vida real?
A minha resposta é: em auto-proteção – e na defesa da verdade, justiça, liberdade e qualquer valor que você tenha ou venha a ter algum dia.
Nem todas as filosofias são malignas, embora muitas delas o sejam, particularmente na história moderna. Por outro lado, na raiz de todo conquista civilizada, como a ciência, tecnologia, progresso, liberdade – na raiz de todos os valores que aproveitamos hoje, incluindo o nascimento deste país – vocês irão encontrar a conquista de um homem, que viveu há mais de dois mil anos atrás: Aristóteles.
Se vocês não sentem nada além de tédio quando lêem as teorias virtualmente ininteligíveis de alguns filósofos, vocês contam com a minha mais profunda simpatia. Mas se vocês as colocam de lado, dizendo: “Por que eu devo estudar esse negócio quando eu sei que é besteira?” – vocês estão enganados. É besteira, mas você não sabe – não enquanto você continua aceitando todas as suas conclusões, todos os malignos bordões gerados por esses filósofos. E não enquanto vocês forem incapazes de refutá-los.
Aquela besteira lida com o mais crucial, as questões de vida ou morte da existência do homem. Na raiz de toda teoria filosófica de significância, existe uma questão legítima – no sentido de que existe uma necessidade autêntica da consciência humana, que algumas teorias se esforçam para clarificar e outras para obscurecer, corromper e impedir o homem de algum dia descobrir. A batalha dos filósofos é uma batalha pela mente do homem. Se você não entende suas teorias, se torna vulnerável aos piores dentre eles.
A melhor maneira de estudar filosofia é abordá-la como se aborda uma história de detetive: siga cada trilha, pista e implicação, para descobrir quem é um assassino e quem é um herói. O critério de detecção são duas perguntas: Por quê? E como? Se uma dada afirmação parece ser verdadeira – por quê? Se outra parece ser falsa – por quê? E como ela está sendo apresentada? Você não vai encontrar todas as respostas imediatamente, mas vai adquirir uma característica que não tem preço: a habilidade de pensar em termos essenciais.
Nada é dado ao homem automaticamente, nem conhecimento, nem auto-confiança, nem paz interior, nem a maneira correta de utilizar sua mente. Cada valor que ele necessita ou deseja tem que ser descoberto, aprendido e adquirido – até a postura correta do seu próprio corpo. Neste contexto, eu quero dizer que sempre admirei a postura dos cadetes de West Point, uma postura que projeta o homem em um controle orgulhoso e disciplinado do seu corpo. Bem, o treinamento filosófico dá ao homem a postura intelectual correta – um controle orgulhoso e disciplinado da sua mente.
Na sua profissão, na ciência militar, vocês sabem da importância de acompanhar as armas, estratégias e táticas do inimigo – e de se estar preparado para enfrentá-las. O mesmo é verdade na filosofia: você precisa entender as idéias do inimigo e estar preparado para refutá-las, você precisa conhecer seus argumentos básicos e ser capaz de explodi-los.
Na guerra física, você não mandaria os seus homens para uma armadilha: você faria todos os esforços para descobrir a sua localização. Bem, o sistema de Kant é a maior e mais intricada armadilha na história da filosofia – mas é tão cheia de furos que uma vez que você entenda o seu truque, você consegue desmontá-la sem qualquer problema e andar sobre ela em perfeita segurança. E, uma vez desmontada, os Kantianos menores – as patentes menores do seu exército, os sargentos, cabos e mercenários filosóficos de hoje em dia – irão cair sozinhos pela própria falta de peso, numa reação em cadeia.
Existe uma razão especial pela qual vocês, os futuros líderes do Exército dos Estados Unidos, precisam estar armados filosoficamente nos dias de hoje. Vocês são o alvo de um ataque especial do estabelecimento Kantiano-Hegeliano-coletivista que domina nossas instituições culturais no presente. Vocês são o exército do último país semi-livre da terra, e no entanto são acusados de ser uma ferramenta do imperialismo – e “imperialismo” é o nome dado à política externa deste país, que nunca se envolveu em conquistas militares e nunca lucrou com as duas guerras mundiais, que ele não começou, mas nas quais entrou e venceu. (Foi, incidentemente, uma política tola e excessivamente generosa que fez este país gastar sua riqueza ajudando tanto seus aliados como ex-inimigos.) Algo chamado de “complexo militar-industrial” – que é um mito ou algo pior – está sendo culpado por todos os problemas deste país. Marginais universitários gritam exigências de que unidades ROTC [similares ao CPOR, no Brasil] sejam banidas dos campus. Nosso orçamento de defesa está sendo atacado, denunciado e reduzido por pessoas que alegam que a prioridade financeira deve ser dada a jardins ecológicos de rosas e a aulas de auto-expressão estética para os moradores das favelas.
Alguns de vocês podem estar confusos com essa campanha e podem estar se perguntando, de boa fé, que erros vocês cometeram para trazê-la à tona. Se este for o caso, é urgentemente importante para você entender a natureza do inimigo. Você é atacado, não por algum erro ou falha, mas por suas virtudes. Você é denunciado, não por alguma fraqueza, mas pela sua força e sua competência. Vocês são penalizados por serem os protetores dos Estados Unidos. Em um nível menor da mesma questão, uma campanha parecida é conduzida contra a força policial. Aqueles que desejam destruir este país, procuram desarmá-lo – intelectualmente e fisicamente. Mas não é apenas uma questão política; a política não é a causa, mas a última consequência das idéias filosóficas. Não é uma conspiração comunista, embora alguns comunistas possam estar envolvidos – como vermes lucrando com um desastre que não tiveram o poder de originar. O motivo dos destruidores não é amor pelo comunismo, mas ódio da América. Por quê ódio? Porque a América é a refutação viva de um universo Kantiano.
A preocupação sentimentalista e a compaixão para com os fracos, os falhos, os sofredores, os culpados, é uma cobertura para o ódio profundamente Kantiano do inocente, do forte, do apto, do vitorioso, do virtuoso, do confiante, do feliz. Uma filosofia para destruir a mente do homem é necessariamente uma filosofia de ódio ao homem, à vida humana, e a todos os valores humanos. Ódio do bom por ser bom, é a marca do século XX. Esse é o inimigo que vocês estão enfrentando.
Uma batalha deste tipo requer armas especiais. Ela deve ser lutada com um completo entendimento da sua causa, uma completa confiança em você mesmo, e a mais completa certeza moral de ambos. Somente a filosofia pode provê-los com essas armas.
O objetivo que dei a mim mesma esta noite não é convencê-los da minha filosofia, mas da filosofia como tal. Eu estive, no entanto, falando implicitamente sobre a minha filosofia em cada frase – já que nenhum de nós e nenhuma afirmação pode escapar das premissas filosóficas. Qual o meu interesse egoísta nesse assunto? Eu tenho a confiança suficiente para acreditar que se você aceitar a importância da filosofia e a tarefa de examiná-la criticamente, é a minha filosofia que você virá a aceitar. Formalmente, eu a chamo de Objetivismo, mas informalmente eu a chamo de uma filosofia para viver na terra. Vocês irão encontrar uma apresentação explícita em meus livros, particularmente em Atlas Shrugged.
Em conclusão, permitam-me falar em termos pessoais. Esta noite significa muito para mim. Eu me sinto profundamente honrada pela oportunidade de falar para vocês. Eu posso dizer – não como uma leviandade patriótica, mas com o completo conhecimento das raízes metafísicas, epistemológicas, éticas, políticas e estéticas necessárias – que os Estados Unidos da América são o mais nobre e, em seus princípios fundadores originais, o único país moral na história do mundo. Existe uma espécie de radiância calma associada em minha mente com o nome West Point – porque vocês têm preservado o espírito desses princípios fundadores originais e vocês são o seu símbolo. Houve contradições e omissões nesses princípios, e talvez existam nos seus – mas eu estou falando dos essenciais. Talvez existam indivíduos na sua história que não viveram à altura dos ideais mais altos – como existem em qualquer instituição – já que nenhuma instituição e nenhum sistema social pode garantir a perfeição automática de todos os seus membros; isso depende da livre vontade de um indivíduo. Eu estou falando dos seus padrões. Vocês têm preservado três qualidades de caráter que eram típicas na época do nascimento da América, mas são virtualmente inexistentes nos dias de hoje: convicção – dedicação – um sentido de honra. Honra é a auto-estima tornada visível em ação.
Vocês escolheram arriscar suas vidas pela defesa deste país. Eu não vou insultá-los dizendo que são dedicados ao serviço por altruísmo – isso não é uma virtude na minha moralidade. Na minha moralidade, a defesa do seu país significa que um homem é pessoalmente incapaz de aceitar viver como o escravo conquistado de qualquer inimigo, estrangeiro ou doméstico. Essa é uma enorme virtude. Alguns de vocês talvez não tenham consciência disso. Eu quero ajudá-los a perceber.
O exército de um país livre tem uma grande responsabilidade: o direito de usar a força, mas não como instrumento de compulsão e conquista bruta – como os exércitos de outros países fizeram em suas histórias – apenas como um instrumento de auto-defesa de um país livre, o que significa: em defesa dos direitos individuais do homem. O princípio de utilizar a força apenas em retaliação contra aqueles que iniciam seu uso é o princípio da subordinação do poder ao direito. A mais alta integridade e sentido de honra são necessários para tal tarefa. Nenhum outro exército no mundo a conseguiu. Vocês conseguiram.
West Point tem dado à América uma longa linha de heróis, conhecidos e desconhecidos. Vocês, os formandos deste ano, têm uma gloriosa tradição a manter – a qual eu admiro profundamente, não porque é uma tradição, mas porque é gloriosa.
Já que eu venho de um país culpado pela pior tirania na terra, eu sou particularmente capaz de apreciar o significado, a grandeza e o supremo valor daquilo que vocês estão defendendo. Então, em meu próprio nome e em nome das várias pessoas que pensam como eu, eu quero dizer, a todos os homens de West Point, do passado, presente e futuro: obrigado.
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