sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Crença & Ceticismo 2


Mesmo em uma sociedade que desencoraja o pensamento cético e estimula a crendice, minha curiosidade sempre falou mais alto. Em minha infância era comum ouvir que chinelos virados para baixo poderiam fazer com que a mãe do dono do chinelo morresse. Comer e ficar olhando no espelho podia deixar a boca torta. Comer e tomar banho dava congestão. Virar a criança de ponta cabeça (plantar bananeira) podia virar o “bucho” do infeliz (tinha até benzimentos para o mal do bucho virado!!!). Comer manga e tomar leite podia até matar, e outras coisas. O fato é que fui criado ouvindo essas estórias. Minha mãe acreditava tanto nessas coisas, que chegava a ponto de cobrir os espelhos para que eu não olhasse enquanto escovava meus dentes após as refeições.
Muitas vezes começava a me questionar como um chinelo virado poderia provocar a morte de minha mãe. É claro que como toda criança, tinha verdadeiro terror de simplesmente pensar que minha mãe pudesse morrer. Então toda vez que via um chinelo virado corria sempre para poder desvirá-lo. (confesso que até hoje ainda sinto um arrepio quando vejo chinelos virados – muito talvez devido ao condicionamento da infância). Acontece que não via nenhuma ligação possível, e por isso tentei fazer a experiência, é claro não com meu chinelo, mas com os chinelos de minha prima, assim se alguém morresse ia ser minha tia e não minha mãe. Peguei os chinelos de minha prima e deixei-os virado o dia todo, escondido em baixo de minha cama, porém como já desconfiava nada havia acontecido. No outro dia peguei os chinelos de minha tia e deixei-os virado e nada aconteceu, ai comecei a achar de fato que havia algo de estranho naquilo tudo. Pouco depois, em um domingo, após um almoço daqueles (macarronada, pois sou neto de italianos por parte de mãe, mas alemão por parte de pai) sentei-me em frente ao espelho e passei (escondido de minha mãe é claro) a fixar meu olhar em meu reflexo, e como já sabia, absolutamente nada aconteceu.
Há aproximadamente um século atrás (quase o tempo de vida de um homem moderno) vivíamos em áreas rurais, quase sempre sem iluminação elétrica, onde a maioria das lendas modernas se desenvolviam. Nessa época determinados acontecimentos eram passados de geração a geração sem se desmistificarem. Podemos conjecturar sobre como se desenvolvia uma lenda. No caso consideremos a lenda da boca torta por se olhar no espelho após a refeição:
Suponhamos que uma determinada pessoa após tomar sua refeição, tenha tomado uma ducha quente no período de inverno. O banheiro como era costume em zona rural ficava fora da casa. Após o banho a pessoa abre a porta e passa a escovar os dentes ou mesmo se barbear olhando no espelho. Com a porta aberta entra uma corrente fria de vento provocando um choque térmico. Devido a esse choque térmico a pessoa tem uma paralisia facial, deixando sua boca ligeiramente torta. Certamente para todos a causa seria ou o banho ou o olhar fixo da pessoa no espelho após a refeição. Essa causa seria passada para vizinhos e filhos de geração a geração, perpetuando assim a lenda.

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